VIDA DE MÉDIUM
Então sexta-feira ele saiu apressado
do escritório.
Antes de entrar no carro, recusou o convite
para um chopinho com o pessoal de sua repartição.
Ouviu uma ou duas gracinhas
mas nem se importou, já estava acostumado com aquela situação.
Seus amigos não entendiam a tamanha dedicação
que ele tinha por sua religião. Chegou em sua casa e foi direto se preparar
para o banho, seus pensamentos já estavam todos focados no que aconteceria
naquela noite. Passou pelo quintal e pegou uma vasilha com um líquido de ervas
dentro. Ele havia preparado no dia anterior, e deixou lá tomando sol e sereno.
Alguém lhe dissera que isto potencializava a energia daquele macerado.
Banho tomado, líquido com as ervas
no corpo derramado, e lá estava ele. Já nem parecia mais o executivo de terno e
gravata, celulares e compromissos importantes.
Todo de branco, cabelo sem gel e uma
felicidade estampada no semblante. Beliscou um pedacinho de pão caseiro que
estava sobre a mesa, pois naquela noite não iria jantar. Olhou no relógio como
quem calcula minuto por minuto para não se atrasar. Coração já começara a bater
mais forte, pois a semana inteira esperou por este dia.
Voltou ao quintal e entrou em algo que parecia
um quartinho.
No local, em cima de algumas
prateleiras forradas com toalhas brancas, imagens, pedras, velas, incensos e um
curioso bem estar. Acendeu uma vela branca bem ao centro, fez suas orações
pedindo à espiritualidade que lhe acompanhasse. Olhou para a imagem de um índio
que estava na prateleira ao lado, e, em silêncio, como quem fala com o olhar,
pediu para ele também lhe acompanhar.
Bateu a cabeça naquele altar, respirou fundo e
sentiu as batidas de seu coração aumentar. Logo já estava lá, uma casa simples,
porém, muito bem organizada. Na entrada se curvou como quem cumprimenta alguém.
Abraçou seus amigos, pediu a benção para um senhor, guardou uma mochila que
trazia com ele. Bateu a cabeça em algo muito parecido com o altar que ele tinha
em sua casa, mas bem maior. Posicionou-se como que fazendo parte de um círculo
de pessoas. Todos em silêncio, em oração. Estava ele em uma corrente de irmãos.
Fora da corrente, pessoas se acomodavam em
bancos. Novos, velhos, pobres, ricos, brancos, pretos e amarelos. Não havia
distinção. Todos seriam atendidos naquela noite. O toque do tambor demonstra
que está começando a reunião. Reunião de pessoas encarnadas e desencarnadas, em
nome do amor.
Uma lata perfurada, com ervas sobre a brasa, é
passada de um lado para outro. Nesta hora seu coração ficou sereno. Não está
mais ansioso, está entregue de corpo, alma e pensamento. Pedindo a Deus que
faça dele seu instrumento. Mais adiante, depois de algumas canções e palmas,
ouve-se uma letra que fala das matas, dos nativos da floresta. Seu pensamento
se volta até a imagem do índio com quem trocou olhares em sua casa. Sente então
uma presença ao lado, e mesmo sem nada ver, sabe que é ele que está ali. Sabe
que ele lhe escutou, atendeu seu pedido e lhe acompanhou.
Nesse momento seu coração novamente disparou.
Toda a espera da semana, as preparações que antecederam este momento e a recusa
do chopinho com o pessoal do seu departamento.
Seu mentor unido a ele
espiritualmente para mais uma noite de caridade, mais uma noite cumprindo sua
missão. Mais uma noite na vida de um médium de coração.
Escrito em 05/02/2011 por Ricardo
Barreira.